O saneamento no mundo é um dos maiores desafios globais do século XXI.
Embora a ONU já tenha reconhecido o acesso à água e ao saneamento como um direito humano fundamental, milhões de pessoas ainda não têm acesso a serviços básicos de coleta e tratamento de esgoto ou a fontes seguras de abastecimento de água.
Lançado em 2025, o relatório Progresso na Água Potável e Saneamento em Domicílio 2000-2024, lançado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) mostrou que:
- 1 em cada 4 pessoas no mundo (ou 2,1 bilhões de pessoas) ainda não têm acesso a água potável manejada de forma segura;
- 3,4 bilhões de pessoas não têm acesso a saneamento básico;
- 1,7 bilhão de pessoas ainda não têm acesso a serviços básicos de higiene em casa.
Esse cenário traz impactos diretos na saúde, na economia e na qualidade de vida das populações.
Este artigo vai analisar exemplos internacionais para conseguimos entender quais modelos de saneamento básico funcionam e como o Brasil pode evoluir em sua jornada para universalizar o saneamento.
Quando falamos em saneamento no mundo, alguns países são frequentemente citados como exemplos de sucesso.
Vamos a eles:
1. Saneamento básico em Singapura
Singapura é um dos exemplos mais notáveis — especialmente porque a cidade-estado não tem recursos hídricos próprios.
Singapura ainda importa cerca de 40% de sua água, mas está consciente de que essa dependência pode se tornar instável — especialmente com os impactos das mudanças climáticas —, o governo adotou uma estratégia diversificada para garantir acesso à água seguro e confiável no longo prazo.
Eis alguns pontos principais dessa estratégia:
Redução do consumo per capita
Em 2003, o consumo doméstico em Singapura era de cerca de 165 litros por pessoa por dia. Em 2017, esse índice havia caído para 147 litros, fruto de campanhas educativas, regulação tarifária, políticas de incentivo à conservação, e uso mais eficiente da água em residências. O objetivo futuro é reduzir ainda mais, para cerca de 130 litros por dia até 2030.
Reciclagem e tratamento de águas residuais
Singapura investe fortemente no reúso de água por meio do sistema conhecido como NEWater, que trata água residual em vários estágios e a torna própria para consumo ou para usos industriais. Esse modelo ajuda a gerar independência hídrica e reduzir a dependência de importações.
Importação de água
Embora a cidade-estado tenha estratégias para ser mais autossuficiente, Singapura ainda importa cerca de 40% de sua água, já que seus recursos naturais hídricos são limitados. Essa importação tem sido considerada menos confiável com o passar do tempo, por conta das mudanças climáticas e instabilidades regionais.
Uso de tecnologias de ponta
Pesquisa e inovação são centrais no plano de Singapura. Um exemplo é o desenvolvimento de materiais especiais para filtrar ou purificar água, como aerogel (uma espécie de esponja altamente porosa) feito de fibras de carbono, que pode absorver muitos contaminantes, microplásticos, etc. Esse tipo de tecnologia pode vir a contribuir fortemente para melhorar o tratamento de águas residuais em grande escala.
Consciência pública e regulação
O governo local estimula a população a economizar água — campanhas educativas, tarifas, regras e incentivos que visam reduzir o desperdício. Também há regulações que obrigam ou incentivam o uso eficiente, além de fornecer dados e exemplos práticos para residências, empresas e escolas.
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2. Saneamento básico no Japão
O Japão é considerado uma das referências mundiais em saneamento básico. A combinação de planejamento urbano, tecnologias avançadas e uma forte política regulatória faz com que o país apresente índices de cobertura muito elevados.
Hoje, mais de 98% da população japonesa tem acesso à água potável segura, e a maioria das áreas urbanas conta com coleta e tratamento de esgoto.
Breve histórico
O avanço do saneamento no Japão começou a ganhar força após a Segunda Guerra Mundial, quando o país enfrentava rápido crescimento populacional urbano.
Para evitar crises de saúde pública, o governo japonês investiu pesadamente na expansão de sistemas de esgoto e no fornecimento de água tratada.
Nas décadas de 1960 e 1970, legislações ambientais e de saúde reforçaram a obrigatoriedade de tratamento adequado de águas residuais, em sintonia com o processo de industrialização acelerada.
Estrutura de tratamento de esgoto
Atualmente, o Japão possui mais de 9.300 estações de tratamento de esgoto espalhadas pelo território. Essas unidades recebem e tratam o esgoto coletado nas redes urbanas, utilizando processos físicos, químicos e biológicos.
- Áreas urbanas densas: contam com grandes plantas de tratamento, muitas delas equipadas para gerar energia a partir do biogás produzido no processo.
- Áreas rurais ou de difícil acesso: utilizam sistemas descentralizados como os Johkasou, que são tanques de tratamento instalados em residências, escolas, hospitais ou empresas. Esses sistemas conseguem realizar o tratamento primário e secundário do esgoto antes de devolver a água ao ambiente.
O sistema Johkasou é regulamentado por lei. O governo exige manutenção periódica e inspeções obrigatórias para evitar riscos de contaminação.
Reuso e inovação tecnológica
Em relação ao reuso da água no Japão, cerca de 1,5% do volume tratado é reaproveitado em nível nacional. No entanto, grandes metrópoles como Tóquio já têm políticas mais ambiciosas, reaproveitando água para usos não potáveis em indústrias, descargas sanitárias e irrigação de parques.
Além disso, o país tem investido em tecnologias de monitoramento remoto e em soluções de eficiência energética para reduzir custos. Muitos sistemas de tratamento hoje utilizam energia renovável, e há iniciativas para transformar resíduos de esgoto em fertilizantes agrícolas.
Desafios atuais
Apesar dos avanços, o Japão ainda enfrenta alguns desafios:
- Áreas remotas e montanhosas: onde a implantação de redes centralizadas é difícil e cara, exigindo maior dependência dos sistemas Johkasou.
- Baixo índice de reuso: há uma pressão crescente para aumentar a reciclagem de água, especialmente em tempos de mudança climática.
- Envelhecimento da infraestrutura: muitas redes de esgoto foram construídas nas décadas de 1960 e 1970 e hoje precisam de modernização.
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3. Saneamento básico na Alemanha
A Alemanha adotou um modelo de gestão descentralizada, onde municípios têm autonomia para planejar e implementar soluções. A fiscalização rígida e a transparência nos processos garantem a confiança da população, além de permitir adaptações rápidas às necessidades locais.
Panorama geral
- Mais de 96% da população alemã está conectada ao sistema público de esgotamento sanitário (rede de esgoto que leva o esgoto para estações de tratamento).
- A Alemanha trata por volta de 10 bilhões de metros cúbicos de águas residuais municipais por ano através de estações de tratamento públicas.
- Há cerca de 9.600 estações municipais de tratamento de água/saneamento espalhadas pelo país.
Cobertura e rede de coleta
- Aproximadamente 97– 98% da população está conectada a estações de tratamento de esgoto (“wastewater treatment plants”) via redes municipais.
- As redes de esgoto cobrem grandes extensões: em quilômetros de tubulações de esgoto, o sistema público alemão possui centenas de milhares de km de coletoras.
Tipos de tratamento
- As estações de tratamento geralmente operam em múltiplas fases: tratamento mecânico, biológico, e em muitos casos tratamento adicional para remoção de nutrientes (nitrogênio, fósforo).
- A maioria do esgoto tratado passa por processos que visam eliminar nutrientes, o que é importante para evitar eutrofização de rios e lagos.
- As estações maiores (que atendem grandes populações ou têm entrada de indústrias) têm obrigações regulatórias mais rígidas, inclusive no manejo de lodo (sewage sludge), recuperação de fósforo e controle de poluentes emergentes.
Regulamentação, políticas e inovação
- Legislação ambiental estrita: na Alemanha não é permitida descarga de esgoto não tratado em rios ou lagos. O país segue normas de uso de “melhor técnica disponível” (BAT – Best Available Technology) para emissões de águas residuais.
- Existe uma “ordem de lodo de esgoto” (Sewage Sludge Ordinance – AbfKlärV) regulando o destino do lodo, recuperação de nutrientes, incineração ou aplicação agrícola conforme padrões de segurança.
- Políticas para remoção de micropoluentes e substâncias residuais: o governo reconhece que certas substâncias como resíduos farmacêuticos, hormônios, e microplásticos ainda são desafios para remoção em estações convencionais. Há pesquisa e iniciativas em curso para tratar essas cargas residuais.
Desafios
- Embora a cobertura e qualidade do tratamento sejam muito boas, há substâncias residuais / micropoluentes que as estações tradicionais não removem efetivamente. Produtos farmacêuticos, hormônios, certas substâncias químicas persistentes ainda são um desafio.
- Manutenção e atualização das plantas antigas: regiões com redes muito antigas precisam modernizar para garantir eficiência, tratamento de nutrientes, menor consumo energético e adaptação a novas exigências ambientais.
- Gestão de águas pluviais e infiltrações: chuvas e infiltração (água que entra em redes de esgoto via vazamentos) aumentam o volume de água a ser tratada, o que encarece, exige maiores capacidades.
- Pressões regulatórias futuras, como exigências para remoção de substâncias traço (micropoluentes), recuperação de materiais (fosfato), e adaptação a mudanças climáticas.
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A situação do Brasil no ranking mundial
Quando falamos em comparação global, o Brasil ainda está distante das melhores práticas. Dados do Instituto Trata Brasil, em parceria com o SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), mostram que cerca de 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada e 100 milhões vivem sem coleta de esgoto.
Em rankings internacionais, o Brasil aparece em posições intermediárias, à frente de alguns países em desenvolvimento, mas muito atrás de nações que universalizaram os serviços.
Essa defasagem gera impactos enormes. Estima-se que doenças relacionadas à falta de saneamento custem bilhões de reais ao sistema público de saúde todos os anos, além de prejudicarem a produtividade da população.
Outro ponto crítico é a desigualdade regional. Enquanto cidades do Sudeste têm índices de cobertura elevados, estados do Norte e do Nordeste enfrentam déficits graves. Essa diferença mostra que, além de investimentos nacionais, é fundamental pensar em soluções adaptadas para cada realidade local.
No cenário atual, com o novo Marco Legal do Saneamento (Lei nº 14.026/2020), há um esforço para atrair mais investimentos privados e acelerar a universalização até 2033. No entanto, os desafios de governança, regulação e financiamento ainda precisam ser enfrentados com clareza.
O que o Brasil pode aprender sobre saneamento com os países de destaque?
Para entender melhor o que o Brasil pode aprender com os países de destaque em saneamento, organizamos uma tabela comparativa que resume as principais lições, exemplos práticos e os impactos esperados ao aplicar essas estratégias por aqui.
A análise mostra que, ao adaptar essas experiências à realidade brasileira, é possível acelerar a universalização do saneamento e garantir um serviço de qualidade para toda a população até 2033.
| País / Referência | Lições para o Brasil | Exemplos práticos | Impacto esperado no Brasil |
| Alemanha | Planejamento de longo prazo; governança e regulação estáveis | Planos municipais e regionais com metas de saneamento; fiscalização rigorosa das estações de tratamento | Garantir continuidade das políticas públicas, reduzir desigualdades regionais e aumentar a eficiência do sistema |
| Japão | Uso de tecnologia avançada; eficiência no tratamento de esgoto | Monitoramento constante da qualidade da água; estações de tratamento modernas; controle de nutrientes | Melhorar a qualidade do tratamento, reduzir poluição de rios e permitir maior sustentabilidade do sistema |
| Singapura | Diversificação de fontes de água; educação e conscientização da população; reúso de água | Sistema NEWater para reuso de esgoto; dessalinização; campanhas para reduzir consumo doméstico | Reduzir a dependência de fontes tradicionais de água, aumentar segurança hídrica e incentivar consumo consciente |
Tecnologias emergentes e soluções adaptadas à realidade local
A inovação tecnológica tem sido uma grande aliada no avanço do saneamento no mundo. Países que ainda enfrentam dificuldades podem se beneficiar de soluções de baixo custo, escaláveis e adaptadas.
Entre as tecnologias emergentes, vale destacar:
- Sistemas de dessalinização movidos a energia solar, que já estão sendo usados em comunidades no Oriente Médio e na África, permitindo transformar água do mar ou salobra em água potável.
- Banheiro seco, que utiliza a compostagem de resíduos para tratá-los sem depender de rede de esgoto.
- Sensores e monitoramento remoto, que ajudam a detectar vazamentos e perdas de água, otimizando a eficiência dos sistemas de distribuição.
- Reuso de água em escala doméstica e industrial, prática cada vez mais comum em países que enfrentam crises hídricas, como Israel.
- Biodigestores, que permitem tratar resíduos orgânicos de forma sustentável, reduzindo a poluição ambiental e oferecendo uma solução descentralizada para locais sem acesso à rede de esgoto.
Essas iniciativas deixam claro que o futuro do saneamento passa por combinar grandes investimentos estruturais com soluções criativas e acessíveis, desenhadas para cada contexto.
Conclusão
O saneamento no mundo é um desafio complexo, mas as experiências de países como Singapura, Japão e Alemanha mostram que é possível avançar de forma consistente quando há planejamento, regulação eficiente, inovação tecnológica e participação da sociedade.
Para o Brasil, essas experiências oferecem lições valiosas: desde a diversificação das fontes de água, o incentivo ao reúso e à eficiência, até o uso de tecnologias emergentes como sensores, biodigestores, banheiros secos e sistemas de dessalinização movidos a energia solar.
A combinação de investimentos estruturais com soluções adaptadas à realidade local pode acelerar a universalização do saneamento e reduzir desigualdades regionais, fortalecendo a saúde pública, a economia e a qualidade de vida da população.
O novo Marco Legal do Saneamento cria uma oportunidade histórica para atrair investimentos privados, modernizar a infraestrutura e definir metas claras até 2033. O desafio agora é transformar essas metas em ações concretas, aprendendo com os exemplos internacionais e adaptando-os à diversidade do território brasileiro.
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O que significa universalização do saneamento?
É quando toda a população de um país tem acesso a serviços básicos de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto.
Quais países são referência em saneamento no mundo?
Singapura, Japão e Alemanha são alguns dos principais exemplos, cada um com modelos diferentes e bem-sucedidos.
Qual a posição do Brasil na comparação global?
O Brasil está em posição intermediária, com bons índices em algumas regiões, mas grandes déficits em outras, especialmente no Norte e Nordeste.
Quais tecnologias podem ajudar a melhorar o acesso à água?
Dessalinização solar, banheiros autossustentáveis, reuso de água e sistemas de monitoramento são algumas das principais inovações.
O saneamento no mundo é um desafio apenas para países pobres?
Não. Embora países ricos tenham índices melhores, a sustentabilidade e a inovação no setor são desafios globais, que impactam todas as nações.

